Porque, na época do 'assucedido', quem era o padre daquela paróquia era o Almir, padre Almir em Salto. Era uma pessoa bacana, um bom papo, fazia uma boa missa, enfim: não havia reclamação clara a se fazer do padre Almir.
O caso é que padre Almir era esperto pra caramba. Liso, como dizem por aqui. E, um dia, estava tendo confissão na paróquia da cidade, e tudo corria bem. Até o momento em que padre Almir começou a passar mal, talvez da feijoada da cantina da dona Dita, onde ele se empanturrou no dia anterior. Padre Almir suava no confessionário, e abriu a portinhola desesperado atrás de alguém para fazer as vezes de ouvinte ali. E, do outro lado da paróquia, passava um jovem seminarista, Wercley, rapaz bondoso, de boa índole e que faria esse favor pro padre...
- Wercleeey! Psiu!! Vem aqui, agoora!
- Sim, padre. Algum problema?
- Puxa vida, ô problema! Acontece que o 'povo aqui' tá doido pra entrar na natação, pra que eu assine a lei áurea, pra brincar no escorregador e cair na água... entendeu?
- Você tá com vontade de cagar, no meio da confissão, padre?
- PSHHHHH!!! Quer falar mais alto? Segura aqui pra mim, um pouco, no confessionário, que eu vou ter que ir ao banheiro, tá complicado...
- Eu, padre? Mas, nunca fiz isso, não sei distribuir penitências nem nada, nem sei o que falar...
- Wercley, presta atenção: lá dentro do confessionário tem um caderninho, com pecados e penitências ao lado. É só você escutar o pecado, e correr atrás da penitência, simples assim. Agora, saia da frente que não tá dando pra segurar mais...
E foi. E lá foi o jovem seminarista segurar a bronca. Wercley não era burro, e conseguiu passar a tarde tranqüila. Se um fiel dizia que havia devolvido o troco que o padeiro deu a mais, Wercley ia no caderninho, e tinha lá: ''Troco não devolvido - para dono ou para cliente'' e as penitências ao lado, se era reincidente, essas coisas. Uma outra fiel disse que tinha beijado a namorada do irmão. E lá ia o Wercley correndo os dedos no caderno, pra encontrar penitências. Foi assim praticamente o dia todo. Praticamente...
No finalzinho da tarde, Wercley começa a ficar preocupado com o padre Almir. Tudo estava correndo muito bem, mas padre Almir não voltava. Eis que aparece, pra se confessar, a Telminha. A Telminha era conhecida não só pelos habitantes da cidade, mas pelos das redondezas. Era linda, espetacular, deixava os homens com os burros n'água, em alguns casos até literalmente! E o Wercley ficou todo bobo, ali dentro, babando, quando a Telminha chegou pra se confessar. E ela havia pecado, sim. Tinha feito uma chupeta no namorado. E o Wercley foi, calmamente, procurando no caderninho. E nada de ele achar a penitência pra chupeta, não havia nem pecado marcado lá, meu Deus, que fazer?! E o desespero foi tanto, que Wercley adaptou aquilo que padre Almir havia feito com ele mais cedo: abriu a porta do confessionário e procurou ajuda, desesperado!
E viu, lá, cuidando do altar, o Filipinho, filho da dona Neusa, coroinha da paróquia. ''Ele deve saber alguma coisa...'', pensou Wercley.
- Psiiu! Filipinho!! Corre aqui!
E Filipinho, meio surpreso, foi ter com o seminarista.
- Que que cê tá fazendo aí, oxi? No confessionário? Padre Almir não vai gostar, não, hômi...
- Longa história, longa história, padre Almir que me deixou aqui, tá passando meio mal. Mas, olha só, tô desesperado e vê se você consegue me ajudar: o que padre Almir dá pra quem faz chupeta?
Depois de muito pensar, Filipinho respondeu, com toda a sinceridade do mundo:
- Aah, ele costuma dar um pastel e uma Coca-Cola, mas ultimamente tem dado suco, diz que é mais saudável...